Terça, 06 de Agosto de 2013 às 18:49

Advogados relembram em SP dificuldades na defesa de presos políticos na ditadura

predio-auditoria-militarDepoimentos de Rosa Cardoso e José Carlos Dias (membros da CNV) e de outros advogados marcaram dia em que a OAB e o Núcleo de Preservação da Memória Política/São Paulo receberam da União o prédio em que funcionou a Auditoria Militar entre 1967 e 1978

Na tarde de ontem (05/08), a OAB-SP e o Núcleo de Preservação da Memória Política/São Paulo receberam da Secretaria de Patrimônio da União, em cerimônia pública, o prédio onde funcionou a antiga auditoria militar de São Paulo, local onde eram julgados os presos políticos.

No local funcionará o Memorial da Luta pela Justiça, que resgatará a atuação dos advogados que atuaram em São Paulo e outros Estados na defesa de presos políticos durante a ditadura, e a sede da Comissão da Verdade da OAB-SP.

A mudança da destinação do imóvel, localizado no centro de São Paulo, na avenida Brigadeiro Luís Antônio, 1249, que estava desocupado, ocorreu com o apoio do Ministério Público Federal de São Paulo, da Comissão Nacional da Verdade, das Comissões Estadual e Municipal da Verdade, da União e do Governo do Estado.

Pela manhã, para marcar a data especial, a Comissão da Verdade da OAB-SP colheu, com a presença da Comissão Nacional da Verdade, depoimentos dos membros da CNV Rosa Cardoso  e José Carlos Dias e de outros advogados e ex-presos políticos. Os depoimentos foram divididos em duas sessões sucessivas, a primeira no salão Nobre da OAB e a segunda no salão dos estudantes da Faculdade de Direito da USP (Largo São Francisco).

Rosa fez uma análise pessoal sobre a sua atuação na defesa de presos políticos julgados nas auditorias militares e relatou que, apesar dos julgamentos não serem imparciais, era naquela instância da Justiça Militar que os presos recuperavam a dignidade pela primeira vez, ao denunciarem as torturas e outras violências sofridas na prisão. "A partir de suas denúncias, de sua voz, de sua fala, eles desqualificavam as práticas de seus algozes e recompunham a própria dignidade", afirmou.

Para Rosa, a tortura não era uma prática de "militares ou policiais emocionalmente desequilibrados", mas uma opção, uma política do regime ditatorial, que já sabia também do poder da tortura e para o que ela era efetivamente útil. "Em 1964, estas elites já sabiam que a tortura servia menos para obter informação valiosa sobre o curso de ações do inimigo do que degradar, aterrorizar e submeter cada preso e o conjunto da população ao poder ditatorial", afirmou. Leia a íntegra do depoimento de Rosa Cardoso.

José Carlos Dias e outros advogados, como Técio Lins e Silva, contaram como eram articuladas estratégias para defender os presos políticos. Com o fim do habeas corpus, os defensores atravessavam petições com a finalidade de obter a liberdade provisória do preso ou improvisavam, como José Carlos contou que fez ao defender o advogado Idibal Pivetta.

"Fui destacado pela OAB-SP para fazer a sua defesa e parti para Brasília onde pedi a palavra em plena sessão do Superior Tribunal Militar (instância seguinte a auditoria militar) dizendo: 'peço a palavra pela Ordem´. 'Como assim?´, indagou o ministro. 'Pela Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo!´". A atitude corajosa de Dias chamou a atenção dos ministros que pediram que ele ingressasse com a petição que, na prática, era um habeas corpus, que garantiu o fim da incomunicabilidade do preso, o que preservou sua vida. Dias depois, Pivetta foi solto.

Técio Lins e Silva contou sobre uma vez em que ingressou com um HC no STM e a petição não informava o tipo de remédio jurídico que estava sendo usado. A funcionária do protocolo questionou o então jovem advogado e disse: "mas isso é um HC e eu tenho que classificar o documento, como faço, o HC está proibido". "Diga que é uma petição", pediu o advogado. A medida deu certo.

Após os depoimentos, os advogados, estudantes da USP, ex-presos políticos e seus familiares foram à cerimônia de tomada do prédio da auditoria militar e voltaram ao lugar onde tiveram, algumas vezes, esse encontro com a estranha Justiça da Ditadura Militar, e puderam participar do que o advogado e vice-presidente da Comissão da Verdade da OAB SP, Belisário dos Santos Júnior, classificou como uma "transgressão democrática".

A grande maioria voltava ao lugar pela primeira vez desde o final dos anos 70, caso de Rosa Cardoso, que, ao lado da colega Maria Regina Pasquale, tentava reconstituir o que funcionava em cada sala daquele prédio. "Parecia menor, não é?", uma dizia para a outra ao olharem a sala de julgamentos da segunda auditoria, que funcionava no primeiro andar do prédio, entre um abraço ou um aperto de mão de seus ex-clientes.

O presidente da OAB-SP, Marcos da Costa, espera que o Memorial possa ser inaugurado no próximo ano, quando o golpe militar de 64 completará 50 anos.

Veja fotos e mais informações sobre a cerimônia aqui.

Veja fotos e mais informações sobre os depoimentos dos advogados aqui.


Comissão Nacional da Verdade
Assessoria de Comunicação

Mais informações à imprensa: Marcelo Oliveira 
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