Terça, 13 de Agosto de 2013 às 16:02

Comissão da Verdade ouve marinheiros perseguidos

joaquim aurelioSegundo dia de oitivas públicas promovidas pela CNV e pela CEV-Rio começa com homenagem emocionada ao brigadeiro Rui Moreira Lima, falecido na madrugada de hoje, e ouve militares expulsos da Marinha por resistirem ao regime

A Comissão Nacional da Verdade e a Comissão da Verdade do Rio de Janeiro continuaram hoje a segunda rodada de oitivas públicas de militares que resistiram ao regime ditatorial de 1964 e, por isso, foram presos, torturados, expulsos e perseguidos pelas três forças armadas. A sessão foi aberta pelo consultor da CNV, Paulo Cunha, que homenageou o brigadeiro Rui Moreira Lima, herói de guerra e ex-preso político militar, falecido nesta madrugada em decorrência de problemas decorrentes de um AVC sofrido este ano. O filho de Rui, Pedro Moreira Lima, esteve presente na sessão de ontem e falou sobre as perseguições sofridas por ele e pelo pai.

Após a homenagem, Joaquim Aurélio de Oliveira e Wanderlei Silva, dois ex-marinheiros, ambos associados hoje à União de Mobilização Nacional pela Anistia (UMNA), prestaram depoimento.

Joaquim ingressou nas Forças Armadas no início da década de 60, e desde antes do golpe de 64 já atuava em movimentos militares de resistência. "Já lutávamos por melhores condições de trabalho, apoiávamos o presidente João Goulart e suas reformas de base. Tudo isso fez com que ficássemos marcados pela Marinha. Um dia antes do golpe, os soldados ficaram armados, e nós, marinheiros, fomos desarmados, porque eles sabiam que nessa escola (de eletricidade da Marinha) a maioria dos jovens era muito pujante na luta política", relatou o ex-militar.

Joaquim foi expulso da Marinha, julgado e condenado por ter participado de uma reunião não autorizada do sindicato dos marinheiros. Quando preso, foi levado inicialmente para um presídio civil e lá foi colocado em uma cela com mais de vinte presos comuns. Em seguida foi transferido para a prisão de Ilha Grande onde estavam outros presos políticos e também ex-marinheiros.

"Participei de uma greve de fome de 16 dias (no período em que esteve preso). Nossa luta era sair de lá da Ilha, porque nossas esposas não tinham como ir ver a gente. Elas se cotizavam, pegavam barcos frágeis para atravessar a baía, correndo risco de ficar à deriva. Com essa greve de fome eu quase morri, parecia aquelas pessoas do holocausto. Minha boca e garganta encheram de afta, eu não conseguia nem tomar o soro. Mas eu não morri, e estou aqui para contar essa história", disse o ex-militar, emocionado.

No relato de Joaquim, ficou evidente a perseguição a ex-militares mesmo depois da expulsão das Forças Armadas e sua entrada para a vida civil. Como também foi dito durante a sessão de ontem, o regime monitorava as vidas dos ex-militares e pressionavam as empresas para que não os contratassem. Após a expulsão da Marinha, o ex-marinheiro foi aprovado em três concursos públicos, e não conseguiu assumir o cargo em nenhum deles.

As técnicas usadas para rejeitar a admissão de Joaquim foram diversas, mas a mais explícita foi a entrevista para assumir o posto de supervisor elétrico na Petrobras. "Na hora da entrevista me disseram: 'Você não foi admitido porque não passou na investigação político-social. O coronel (que cuidava da área de admissões) disse que você era perigoso, que podia explodir a empresa'", relatou Joaquim. No período da repressão, a Petrobras mantinha uma divisão de vigilância e informações interna, a ASI/Petrobras, que funcionava nos mesmos moldes do SNI. No início deste ano o acervo do extinto departamento foi descoberto e entregue à CNV. Saiba mais aqui

O também ex-marinheiro Wanderlei Silva relatou a mesma dificuldade para conseguir reconstruir a vida após ter sido obrigado a abandonar a carreira militar. "Eu tentei na Panair, mas ela já tinha sido declarada como falida pelo governo (saiba mais aqui) pelo governo. Então fui trabalhar na Olivetti. Lá tinha uma secretária, era italiana, que não entendia muito bem a situação do Brasil. Ela disse que tinha chegado uma carta da Marinha, e achou que era para nós, ex-marinheiros. Naquela época a Marinha mandava cartas dizendo às empresas que não contratassem marinheiros."

Já sabendo dessa prática, Wanderlei recebeu a carta, leu, rasgou e queimou. "Eu fiz isso porque estava desesperado, não queria que ninguém lesse ou descobrisse. Se eu soubesse, teria guardado essa carta. Mas eu peguei, rasguei e queimei, e é só por isso que eu trabalhei por 27 anos na empresa e me aposentei em 92."

RUI MOREIRA LIMA - A segunda parte da sessão de hoje foi aberta com a exibição de um vídeogravado pela CNV durante o depoimento do Brigadeiro, feita no Rio de Janeiro em outubro do ano passado.Nele, Rui lê a carta que recebeu do pai, o juiz Bento Moreira Lima, pela ocasião de seu ingresso na academia militar de Realengo. "O soldado não conspira contra as instituições as quais jurou fidelidade. O povo desarmado merece o respeito das Forças Armadas", escreveu o Bento ao filho. Rui cumpriu a recomendação, foi fiel à constituição e ao presidente eleito João Goulart. Por isso, foi perseguido e preso em 1964 pelo regime militar. Veja o vídeo no youtube da CNV.

Na continuação da sessão, o comandante Fernando de Santa Rosa, representante da Associação Democrática e Nacionalista dos Militares (ADNAM), da qual Rui Moreira Lima era presidente, leu uma carta aberta endereçada à Comissão Nacional da Verdade. Nela, os militares perseguidos pediram a imediata recomposição do colegiado da CNV, a intensificação das audiências públicas, maior foco nas investigações dos casos de mortos e desaparecidos políticos e garantia da abertura total de arquivos da repressão e dos serviços de informação . Também declararam apoio aos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade. Os depoimentos que estavam previstos para a tarde de hoje devem ser remarcados pela CNV.

A coordenadora da CNV, Rosa Cardoso, e o presidente da Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro homenagearam a trajetória do militar e lamentaram o falecimento do Brigadeiro. O corpo de Rui Moreira Lima será enterrado hoje, às 16h, no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro.

Comissão Nacional da Verdade
Assessoria de Comunicação
Mais informações à imprensa: Lívia Mota e Thiago Vilela
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