Quinta, 15 de Agosto de 2013 às 19:40

CNV promove primeira audiência para ouvir vítimas do ES

perly ciprianoEm primeiro dia de agenda no estado, CNV ouve sete vítimas da repressão. Atividades continuam até o próximo sábado, dia 17

A Comissão Nacional da Verdade chegou hoje a Vitória, Espírito Santo, onde realizou sua primeira audiência pública no Estado. Sete vítimas da repressão foram ouvidas pelo público e por seis Comissões da Verdade locais*, representadas por: Francisco Calmon, do Fórum Memória Verdade e Justiça; Rubens Gomes, da Comissão da Verdade dos Jornalistas do Espírito Santo; Orlando Bonfim Neto, representante de familiares de mortos e desaparecidos do Espírito Santo; Pedro Fagundes, da Comissão da Verdade da UFES; Josemar Moreira, da Comissão da Verdade do MP/ES e Cláudio Vereza, da Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa do Espírito Santo.

O roteiro de atividades da CNV em Vitória foi organizado pelo grupo de trabalho da Comissão que investiga o papel das igrejas durante a ditadura, tanto no apoio à resistência quanto na colaboração com o regime. O médico Waldir Ferreira, militante de Direitos Humanos e ex-preso político, foi o primeiro a relatar a perseguição sofrida por militantes de esquerda no Espírito Santo. Menos de um mês após o golpe, a rádio onde Waldir trabalhava foi invadida. Da cadeira de transmissão, o então padre foi levado ao Porto da Guarda, conhecido como Batalhão da Prainha, em Vitória.

Lá esteve detido por cerca de 20 dias, e, quando liberado, foi expulso da diocese do Espírito Santo. A notícia correu a cidade, e Waldir foi obrigado a se mudar para Belo Horizonte. "Eu não podia sair na rua, todo mundo dizia que eu era comunista. As pessoas não confiavam mais em mim, como é que eu ia provar ao povo que eu era padre, se eu era comunista?", relembra Waldir.

A estadia na capital mineira também logo se revelou insustentável, já que seu irmão mais velho era um coronel do SNI. Ainda no ano de 64 voltou a Vitória, onde novamente foi vigiado e perseguido. "Quando voltei para Vitória, encontrei um jornal na porta do meu quarto, dizendo que eu era um corruptor dos jovens, na primeira página. Tentei voltar para a diocese, mas o arcebispo disse que não queria mais os meus trabalhos", relatou.

Anita Wright, filha do pastor Jaime Wright, um dos idealizadores do projeto Brasil Nunca Mais, que reuniu clandestinamente, em plena ditadura, informações de mais de 700 processos do Superior Tribunal Militar conduzidos no período da repressão, testemunhou sobre a perseguição sofrida pelo pai, que também era irmão do deputado desaparecido Paulo Stuart Wright.

Outras vítimas e testemunhas de graves violações de Direitos Humanos cometidas no período da ditadura, mas que não tiveram nenhum tipo de relação com a igreja durante o regime, também foram ouvidas na cerimônia de hoje. Entre elas a militante Laura Coutinho, presa e torturada grávida no final dos anos 60, período em que a repressão estava desmantelando a ala vermelha do PCdoB.

TORTURA CAUSA ABORTO - Laura foi torturada grávida, e perdeu o filho após a primeira sessão de torturas que sofreu nas dependências de um centro clandestino de tortura em São Paulo mantido pela OBAN. Assim que chegou, avisou aos policias de sua condição. "Eles me deram o papel dizendo que não iam me torturar porque eu estava grávida. Eu, no auge dos meus 21 anos, acreditei que iria me livrar da tortura por causa daquele papel."

Juca Alves, também ex-preso, prestou um emocionado depoimento sobre todo o processo de fuga da repressão desde muito jovem. Ele e a família foram perseguidos, presos, torturados, tiveram que passar para a clandestinidade e se exilaram no Chile. O pai de Juca, Washington Alves da Silva, foi um dos militantes trocados pelo embaixador suíço Giovanni Enrico Burcher, sequestrado em 1970 pela Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).

Assim que chegou à mesa, Juca saudou o colega Perly Cipriano, que havia falado na audiência momentos antes. Perly, hoje subsecretário da Secretaria de Direitos Humanos do Espírito Santo, foi preso mais de três vezes entre os anos de 64 e 67. Ele relatou ter sofrido torturas pelas mãos de um pastor, e ressaltou que, apesar de depois ter assumido o lado da resistência, a igreja, inicialmente, apoiou a ditadura. "A cúpula da Igreja apoiou o golpe militar. E é claro, as pessoas da Igreja que discordavam foram perseguidas, mas o golpe foi feito com apoio dessas instituições", disse Perly.

Duas outras vítimas presas no Espírito Santo, Francisco Calmon e Jussara Albernaz, foram transferidos para o Rio de Janeiro. Ambos estiveram detidos no DOI-Codi do Rio de Janeiro pouco antes da chegada de Mário Alves ao local.

"Isso foi no final de outubro, início de novembro, final de outubro de 69. Nesse período eu fui interrogado por altas patentes e por agentes da Polícia Federal", relatou Calmon. Jussara, além de Vitória e Rio de Janeiro, também passou por prisões, onde sofreu torturas, em Juiz de Fora e Belo Horizonte.

Ao final dos depoimentos, a advogada Rosa Cardoso saudou a coragem das vítimas e reforçou a importância da realização de audiências públicas nos estados. "A cada vez que eu me sento aqui e ouço as histórias dessas pessoas, humanas, tenho mais certeza de que essa atividade de vir a público falar sobre esses crimes é primordial", disse Rosa.

A agenda da CNV no Espírito Santo continua até o próximo dia 17. Amanhã, no hotel Golden Tulip Porto Vitória, a CNV se reúne com as Comissões e comitês de Memória, Verdade e Justiça do Espírito Santo. No sábado, na Faculdade Unida e Vitória, o Grupo de Trabalho Papel das igrejas durante a ditadura se reúne com representantes de igrejas.

* Comissão Estadual da Verdade, Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, Comissão da Verdade da Universidade Federal do ES, Comissão da Verdade do Ministério Público do Espírito Santo, Comissão da Magistratura do ES e Comissão da Verdade dos Jornalistas.

CONFIRA O RESTANTE DA PROGRAMAÇÃO DA CNV EM VITÓRIA

16/8 - ENCONTRO

8h30 – 12h30 – encontro das comissões da Verdade do Espírito Santo e a CNV

Local: Hotel Golden Tulip Porto Vitória
Avenida N. S. dos Navegantes, 635, Enseada do Suá, Vitória, ES

17/08 - SEMINÁRIO ECUMÊNICO

Programação:

8h30 – 18h - seminário com igrejas sobre "Superação de Intolerâncias, Memória e Verdade"

19h - 20h30 - encontro com lideranças de igrejas para discutir como cooperar com o Grupo de Trabalho sobre o papel das igrejas durante a ditadura

Local: Faculdade Unida de Vitória
Rua Eng. Fábio Ruschi, 161, Bento Ferreira, Vitória, ES

Comissão Nacional da Verdade
Assessoria de Comunicação

Mais informações à imprensa: Lívia Mota e Thiago Vilela

(61) 3313-7324 | O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.
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