Sexta, 13 de Setembro de 2013 às 16:10

Bispo lembra resistência contra a ditadura

dom waldyr corte siteRenata Sequeira

da Comissão da Verdade do Rio

Dom Waldyr Calheiros, bispo emérito da diocese de Volta Redonda, tem espaço privilegiado na história local. A cidade que, durante o regime militar, sofreu intensa repressão, por conta do atuante movimento sindical, teve na figura de dom Waldyr, um importante aliado contra as violações perpetradas pelos militares. Nesta quinta-feira, aos 90 anos de idade, ele lembrou alguns desses momentos de resistência, durante testemunho dado para a Comissão Nacional da Verdade, em ação conjunta com a Comissão da Verdade do Rio e a Comissão da Verdade de Volta Redonda. O depoimento será exibido em vídeo numa audiência pública que vai tratar do papel das igrejas durante a ditadura, nos dias 17 e 18 de setembro, no Auditório da Caarj, no centro do Rio.

"Eu era assistente do grupo do sistema, além de ser a favor dos operários, o que, à época, me colocava como suspeito de ser comunista. A verdade é que não aceitavam a minha posição", comentou dom Waldyr, que citou fatos marcantes, como ter se colocado à disposição para ficar preso. "O coronel me recebeu muito bem, fez questão de me mostrar todo o quartel, me convidou para almoçar, mas ainda não tinha respondido à pergunta que me fez ir até lá: se tinha alguém preso ali. Eu disse que, se essas pessoas tivessem sido detidas porque trabalhavam comigo, que eu também ficaria por lá. O coronel, muito contrariado, chamou o procurador de Barra Mansa, na tentativa de me fazer mudar de ideia, conta dom Waldyr, que, autorizado pelo coronel, conseguiu falar com alguns presos.

Nascido na cidade de Murici, em Alagoas, dom Waldyr foi ordenado padre em 1948 e, bispo, em maio de 1964, pouco depois do golpe. Sua atuação, porém, não ficou restrita ao período ditatorial. A greve de 1988, por exemplo, quando os operários da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) ocuparam a fábrica, teve importante apoio do religioso. Ele ajudava obtendo alimentos e fazendo coleta de dinheiro para que a paralisação fosse mantida. Ela durou 18 dias e terminou com uma intervenção violenta do Exército que provocou a morte de três operários. Foi nessa época que Evaldo da Silva, empregado da CSN, se aproximou de dom Waldyr e, até hoje, ajuda a cuidar do religioso. Este mantém uma rotina com poucas atividades: a leitura do jornal, orações, ao longo do dia, na capela que fica em sua casa e, aos domingos, a missa das 9h, que ele faz questão de rezar na Igreja de São Luiz Gonzaga.

"Considero dom Waldyr mais que um amigo. Ele é um pai para mim e é uma figura muito importante para a cidade de Volta Redonda, porque sempre estimulou a criação de associações de moradores, de grupos que atuam pela moradia, pelos direitos, e também por defender uma Igreja mais participativa. É um prazer tê-lo por perto", disse Evaldo.

Ouvir dom Waldyr foi iniciativa do grupo de trabalho Papel das igrejas durante a ditadura, da Comissão Nacional da Verdade, que examina o papel que as instituições religiosas e seus integrantes tiveram em relação ao regime ditatorial. Foi, também, a primeira atividade realizada em conjunto com a Comissão da Verdade de Volta Redonda, cujos membros foram empossados, na última quarta-feira (11/09), em evento na Câmara de Vereadores. Dom Waldyr, naturalmente, estava presente.

"Esse testemunho é a senha para o início dos trabalhos da Comissão da Verdade de Volta Redonda. É o acesso pela busca da verdade de tantas violações de direitos que tivemos nesse período", comentou o presidente da comissão de Volta Redonda, o advogado Alex Rodrigues, que acompanhou o depoimento do bispo.

AUDIÊNCIA PÚBLICA - Na audiência pública será ouvido também o professor e bispo emérito da Igreja Metodista do Rio de Janeiro, Paulo Ayres Mattos, líder ecumênico. Mattos deu abrigo a refugiados do Cone Sul que procuraram o Brasil nos anos 70 após os golpes militares no Chile, no Uruguai e na Argentina. Também prestarão depoimentos as ex-presas políticas Jessie Jane e Letícia Contrim; e os ex-presos Marcos Arruda e Zwinglio Motta Dias, cujo irmão, Ivan Motta Dias, é desaparecido político.

No dia 18, à tarde, haverá uma homenagem póstuma ao ex-deputado Lysâneas Maciel, que teve seu mandato cassado pela ditadura, e a Herbert de Souza, o Betinho, ex-líder da Juventude Universitária Católica e da Ação Popular, além de exilado, durante a ditadura, que se tornou um líder na luta pelos direitos humanos após seu retorno ao Brasil.

"Mais que trazer dados novos para as investigações das comissões, esse depoimento de dom Waldyr, e dos outros que participarão da audiência pública, é registrar essa memória. Ela nos ajuda a compreender como funcionava o regime e como atuavam as forças armadas, mesmo em regime democrático, como foi a invasão, em 1988, da CSN. O testemunho de dom Waldyr é um importante registro para a sociedade brasileira, que deseja saber a verdade sobre a nossa história", afirmou Nadine Borges, membro da Comissão da Verdade do Rio que esteve em Volta Redonda para participar da tomada do depoimento de dom Waldyr.

SERVIÇO:
Audiência Pública do GT Igrejas no Rio de Janeiro
Quando: 17 e 18 de setembro
Horário: dia 17, das 9h30 às 17h e dia 18, das 9h00 às 17h
Onde: Auditório da CAARJ
Endereço: Av. Marechal Câmara 210, Castelo, Centro - Rio de Janeiro.
Transmissão ao vivo: http://www.twitcasting.tv/CNV_Brasil

Comissão Nacional da Verdade
Assessoria de Comunicação

Mais informações à imprensa: Marcelo Oliveira
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