Quinta, 10 de Outubro de 2013 às 21:52

Estado deve pedir desculpas aos japoneses perseguidos após a II Guerra Mundial

O Estado Brasileiro cometeu graves violações dos direitos humanos contra membros da colônia japonesa durante a Ditadura Vargas.

Audiência pública da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva" em parceria com a Comissão Nacional da Verdade (CNV), realizada nesta quinta-feira (10/10), tratou de casos de prisão, tortura e morte de imigrantes japoneses durante a ditadura do presidente Getúlio Vargas, no período da 2ª Guerra Mundial. A situação da colônia japonesa se agravou após a derrota do Japão. As graves violações de direitos humanos apontadas na audiência se estenderam ao longo dos dois primeiros anos do mandato do governo Dutra (1946-47). O período investigado pela CNV vai de 1946 a 1988.

Parte dos japoneses acreditava que o Japão havia ganhado a guerra e outros sabiam que tinha perdido, de tal forma que a colônia ficou dividida entre vitoristas e derrotistas, respectivamente. Isso desencadeou em uma forte divergência. Um dos resultados foi a decisão dos vitoristas de executar o coronel Jinsaku Wakiyama, que integrava a corrente rival.

A audiência pública contou com a presença do único sobrevivente, que é um dos autores dessa execução, Tokuichi Hidaka, hoje com 87 anos. Ele se entregou logo após a execução, passou 15 anos preso, a maior parte do tempo em um presídio na Ilha de Anchieta, em São Paulo.

"O Japão era um país que considerávamos invencível e acreditávamos na vitória. Não fomos chamados de fanáticos, mas tivemos educação de amor à pátria, disciplina do povo japonês. Nessa ocasião existia um grupo de esclarecidos que formaram outro bloco em contraponto aos vitoristas", Tokuichi Hidaka.

O fato é que, durante o governo Vargas, a colônia sofreu perseguição e lhe impuseram o silêncio sobre o que acontecia no Japão. As informações que chegavam para muitos não eram consideradas confiáveis. Muitos agentes pisavam na bandeira do Japão, ou queriam obrigar aos japoneses. Ao se recusarem, eram presos. Essa história foi abordada no documentário Yami no Ichinichi - O Crime que abalou a Colônia Japonesa no Brasil, do diretor Mário Okuhara.

Adriano Diogo, presidente da Comissão "Rubens Paiva", observou que é importante a contextualização do clima da segunda guerra mundial para desmentir as versões fantasiosas da época já que até hoje omitiram a intolerância e a violência do Estado. "É preciso dar uma explicação para a humanidade e poder pedir desculpas ao povo japonês", enfatizou Diogo.

O crime que abalou a colônia japonesa

Okuhara disse que é preciso dar explicações e proporcionar um pedido de desculpas ao povo japonês, pois até o momento os registros esconderam a intolerância e a violência do Estado. A perseguição se deu em diversas situações. A senhora Shizuko Kambara, testemunha da época, tinha apenas 16 anos e viu a prisão Fukuo Ykeda, um fotografo e artista plástico que acabou sendo morto.

Akira Yamauchi, filho de Fusatoshi Yamauchi, gravou entrevista exibida na Comissão e contou que insistiu muitas vezes que o pai contasse o que passou durante a prisão na Ilha de Anchieta. O senhor Fusatoshi não gostava de falar. "Ele contou que tinha um sargento que não gostava dos japoneses e maltratava muito. Fizeram aquele corredor [polonês], mandaram tirar a roupa [para bater]", relatou.

Fusatoshi Yamauchi e Tokuichi Hidaka estão entre os 170 japoneses que cumpriram pena na Ilha de Anchieta. Para Rosa Cardoso, membro da CNV, o conflito se deu, entre outros motivos, pelo isolamento e pela censura à imprensa nipônica. Ela destacou a responsabilidade do Estado brasileiro, e pediu desculpas em nome da Comissão Nacional da Verdade à comunidade japonesa "Viemos aqui para participar da reconstituição dessas memórias, homenagear e pedir perdão [às vítimas]", afirmou.

Rosa Cardoso destacou também que a perseguição teve caráter racista. "O descobrimento do Brasil veio seguido de genocídio contra os índios, que eram considerados seres inferiores. Depois os negros também eram pensados como animais e mercadoria. E, finalmente, os imigrantes também eram considerados inferiores, em especial os asiáticos. Quando veio a guerra, todas essas posições racistas renasceram", lembrou.

Muitos descendentes de japoneses compareceram na audiência, que contou com a participação de 150 pessoas. Guilherme Gushiken, filho de Luiz Gushiken agradeceu pelo evento e ressaltou a diversidade de povos que formaram o Brasil. "Meu avô veio do Japão do começo do século passado. Recebi do meu pai toda a herança e historia da cultura japonesa. Minha mãe é filha de italiano. A essência do povo brasileiro é a mistura de povos do mundo", destacou.

Por Thaís Barreto, jornalista, assessora da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva".

Mais informações à imprensa: Marcelo Oliveira e Thiago Vilela
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