Quinta, 17 de Outubro de 2013 às 18:33

Advogado depõe à CNV sobre desaparecimento do irmão, em 1970

depoimento sergioSérgio Roberto de Oliveira contou sobre a angústia de ter um familiar desaparecido

Há 42 anos o advogado gaúcho Sérgio Roberto de Oliveira, 72 anos, espera descobrir o que aconteceu com seu irmão Celso Gilberto de Oliveira, desaparecido desde dezembro de 1970, quando foi preso, aos 25 anos de idade, por agentes do Cisa (o serviço de inteligência da Aeronáutica) e entregue ao Doi-Codi do I Exército, no Rio de Janeiro, por suposto envolvimento no sequestro do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher.

Após tantos anos, a ferida nunca se fecha. Recentemente, Sérgio imaginou a possibilidade de encontrar o irmão na rua e como seria esse encontro. "Hoje, Celso teria 68 anos, mas calvo ele não seria eu imagino. Isso (a vontade de um dia poder encontrar o irmão de novo) é fruto de uma esperança. Como ele foi dado como desaparecido e não morto, a gente sempre imaginava que uma hora iriam bater na porta e seria ele", disse.

De passagem por Brasília, o advogado procurou a Comissão Nacional da Verdade e prestou depoimento na manhã de hoje sobre o desaparecimento de Celso Gilberto ao grupo de trabalho Graves Violações de Direitos Humanos (Mortos e Desaparecidos) da CNV. Ele sugeriu que a comissão ouça o depoimento de um militante do período que foi preso e torturado na mesma época que o irmão. Na avaliação de Sérgio Roberto, esse depoimento pode ajudar a investigação. O nome do depoente em potencial será mantido em sigilo até que seja contatado.

Oliveira contou que decidiu, após a morte do pai e da mãe, entrar com uma ação declaratória visando à condenação do Estado pelo desaparecimento do irmão. "Não se pode prender o sistema, mas a gente pode dizer que o sistema é culpado. E isso é um direito que eu quero resgatar, porque ser oposição ao regime é um direito enquanto democracia", afirmou.

"Estou inclinado a fazer isso para desmistificar, porque na verdade eles pintam e pintavam as pessoas como bandidas quando eles que eram os bandidos. A gente que milita nesse ramo do direito sabe que não é democrática a maneira como as prisões e torturas eram feitas. Meu comentário é de indignação e acho que as medidas tomadas eram desproporcionais a qualquer crime que o Celso tenha cometido. Ele não representava esse perigo todo que merecesse uma apreensão e uma execução de sentença de morte", disse.

DOCUMENTOS - A Comissão Nacional da Verdade fez levantamentos documentais sobre o desaparecimento de Celso, um dos mais nebulosos do período, e informou a Sergio Roberto ter encontrado um documento na base de dados do Serviço Nacional de Informações (SNI), no Arquivo Nacional, que confirma sua morte.

O documento, datado de 4 de janeiro de 1971, afirma que Celso foi morto ao tentar fugir no curso de uma diligência realizada para localizar o cativeiro do embaixador. A CNV não acredita que a versão seja verossímil e que o mais provável é que Celso tenha sido torturado até a morte. Entretanto, o documento é o primeiro que confirma a morte dele.

No mesmo mês, outro documento, do Cisa, coloca o nome do militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) numa lista de opositores do regime com a inscrição "falecido" ao lado. Entretanto, em outubro do mesmo ano a Aeronáutica editou uma retificação, "corrigindo" a situação de Celso para "preso".

VERSÕES - Sérgio Roberto não se surpreendeu com as mudanças de versões que aparecem nos documentos. Ele lembrou a peregrinação de seu pai, João Adelino de Oliveira, que foi à Brasília e ao Rio de Janeiro em busca de informações sobre o filho desaparecido. "Na Aeronáutica, o chefe do policiamento disse: 'nós apenas o prendemos e o entregamos à Polícia do Exército´", lembrou. Dias depois, conta, "homens do Exército bateram no lugar onde meu pai estava hospedado e lhe perguntaram sobre Celso, como se não soubessem de seu destino", afirmou.

Ao longo dos anos, a família foi bombardeada por diferentes versões. Numa delas, Celso teria sido morto sob tortura logo após o Natal de 1970. Um preso teria reconhecido a voz do militante da VPR gritando: "avise que eles vão me matar". Para abafar os gritos das sessões de tortura, os policiais tocavam "Madalena", de Ivan Lins, no volume máximo.

"Segundo informações que eu tenho, o Celso pagou pelo silêncio. Quando preso, ele se negou a dar algumas informações, tanto que algumas coisas que a gente vê nos documentos oficiais são coisas fantasiosas, é impossível ser verdadeiro", afirmou.

"A ditadura usava muitos tipos de 'mortes'. Eu sei de gente que viu um cara ser morto pela tortura e passado com o jipe em cima do cara para dizer que ele foi atropelado. Na verdade o grande bandido da historia é o sistema que permitia que pessoas proclamassem: 'eu sou o titular eu mando, eu sou o dono da vida e da morte'", afirmou o advogado.

Sergio Roberto disse estar feliz por contribuir com a Comissão da Verdade e torce para que as investigações da CNV contribuam para a não-repetição das graves violações de Direitos Humanos no Brasil.

"Eu acho que há necessidade que essas coisas venham a tona porque essa é a memória de um Brasil. O mérito dessa comissão é a prospecção, a busca por pequenos detalhes de informações. O trabalho da comissão é importantíssimo pra trazer a tona a verdade real que é a nossa memória, eu acho super importante. A minha esperança é que a medida das descobertas das aberrações que aconteceram que isso não se repita mais. Não pode ficar debaixo do tapete. Eu pediria, como pessoa atingida seriamente, que não esmoreçam diante das dificuldades".

Comissão Nacional da Verdade
Assessoria de Comunicação

Mais informações à imprensa: Marcelo Oliveira
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