Sexta, 22 de Novembro de 2013 às 18:49

"Discussão sobre segurança pública deve ser feita pela Comissão da Verdade", afirma Rosa Cardoso

11 debate finalPara Rosa, tema terá que ser amplamente discutido com a sociedade na fase de debate das recomendações

Durante audiência pública em São Paulo que discutiu a vinculação entre as polícias militares e o Exército, realizada em conjunto com a Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, Rosa Cardoso, coordenadora do grupo de trabalho da CNV que investiga perseguição e repressão sofrida por militares em função de posicionamento divergente da ditadura, defendeu que o tema da segurança pública seja amplamente debatido pela Comissão da Verdade.

Segundo Rosa, ao final dos trabalhos de investigação da comissão, a CNV deve iniciar um amplo debate sobre as recomendações que fará ao Estado visando eliminar vestígios da ditadura na legislação atual. "Vamos fazer audiências para discutir as recomendações e as políticas públicas que proporemos e a discussão sobre segurança pública é indispensável", afirmou.

A intervenção de Rosa ocorreu ao final da apresentação do advogado e tenente da reserva da Polícia Militar Franciso Jesus da Paz, que defendeu a desmilitarização da Polícia Militar e a criação de uma única força policial, unindo as atuais PM e Polícia Civil.

Paz criticou duramente que até hoje esteja em vigor o artigo 41 do decreto 88777, editado em 1983, no apagar de luzes da ditadura e que estabelece formalmente o papel de força auxiliar da PM ao Exército. O artigo 41 é o que submete as áreas de inteligência da PM, vulgo P2, a área de inteligência do Exército, o S2.

"O artigo 41 estabelece que o aparato do serviço secreto das PMs do Brasil, as P2, a gestapo caboclo-tupiniquim, está sob o controle e direção do Exército brasileiro, subordinada à região militar que atua naquele estado, num alto risco para o exercício da cidadania ativa", afirmou Paz, que defende um maior controle do legislativo e do Ministério da Justiça sobre as polícias.

O tema da segurança continuará em debate na Comissão Rubens Paiva. No próximo dia 28, às 10h, a comissão iniciará um ciclo mensal de discussões sobre a violência em São Paulo. O primeiro tema a ser debatido, com Luís Eduardo Soares, será a desmilitarização.

No debate de hoje, além de Paz, também participou o capitão reformado da PM Fábio Gonçalves, que também defendeu a desmilitarização e o fim da subordinação da PM ao Exército. "É preciso redefinir o papel da polícia, pois hoje ela faz o que quer", afirmou.

DEPOIMENTOS - A audiência de hoje em São Paulo deu continuidade aos depoimentos de militares que resistiram à ditadura, iniciados na audiência realizada no último dia 11. Quatro ex-militares foram ouvidos: dois da PM e dois do Exército, que relataram as perseguições, prisões, torturas e outras violências e desgastes sofridos em virtude de sua atuação na oposição democrática contra a ditadura.

O primeiro a ser ouvido foi o tenente-coronel reformado da PM Osni Geraldo Santa Rosa. Ele integrava a Guarda Civil, força policial que foi unida à Força Pública para a criação da Polícia Militar, onde iniciou como sargento. Homem de esquerda, tinha amigos de bairro que integravam o PCB e foi preso duas vezes, em 1970 e em 1975.

Em ambos os processos, ele foi absolvido. Na prisão, em 1975, ele se deparou com o coronel José Maximino de Andrade. "Ele levantou a calça e me mostrou a perna ferida. Ele apertou a batata da perna da perna esquerda, e (onde ele apertou) não voltava à posição normal e me disse: 'Eles vão me soltar, mas eu não vou chegar vivo em casa'.". A previsão da vítima estava certa: Maximino morreu em decorrência das torturas que sofreu no Doi-Codi, logo após ser liberado da prisão.

O capitão reformado do Exército Ovídeo Ferreira Dias foi preso três vezes durante a ditadura. Junto com outros militares de Osasco, Campinas e sindicalistas, ele tentou organizar um movimento de resistência ao Golpe Militar, mas o grupo foi preso em abril de 1964. Depois de um período confinado no navio Raul Soares, em Santos, foi transferido para um presídio. Ficou preso até setembro de 1965 e expulso das Forças Armadas.

As outras prisões ocorreram devido sua ligação com as ligas camponesas. No Raul Soares, Ovídeo testemunhou a violência mais grave e que não consegue esquecer: uma militante de esquerda foi violentada pelos militares com um cassetete. "Ela gritava de dor e todos no navio ouviam. Pedíamos que parassem e eles gritavam dizendo que 'com comunista é assim que a gente faz´", contou, entre lágrimas.

O capitão do Exército reformado Carlos Roberto Pittoli, hoje coordenador da Comissão da Verdade de Bauru, foi o primeiro a prestar depoimento à tarde. Ele foi preso no início de 1969, quando participava de um plano para tomar armas do batalhão em que trabalhava. Pittoli foi preso e torturado.

Segundo ele, o pior local em que esteve preso foi um batalhão comandado por Erasmo Dias, em Praia Grande. "De lá fui para o Tiradentes, que era um Paraíso comparado a este local, onde Dias me ameaçou de morte várias vezes", disse. Pittoli foi fundador da VPR e militou ao lado de Carlos Lamarca.

O capitão reformado da PM José de Menezes Cabral afirmou não ter sido preso, nem torturado, mas contou ter sido perseguido e sofrido arbitrariedades de seus superiores em virtude de sua atuação a frente da Associação de Subtenentes e Sargentos. Durante sua gestão foi fundado o Instituto Tiradentes de Ensino, o ITE, e um grupo de teatro. "A opção de nosso grupo foi contrária à luta armada, mas por um trabalho de conscientização, organização e mobilização social da tropa, visando o homem-militar, contrário ao militarismo exacerbado e por uma polícia cidadã", disse.

Cabral contou ter sido alvo de oito transferências arbitrárias, por "conveniência de disciplina". Numa delas, para economizar, pediu para residir no quartel e foi impedido. "Me disseram: 'você está encomendado. A gente só não coloca o P2 em você quando você está dormindo´", afirmou o PM reformado, que acredita ser monitorado pela inteligência da polícia até hoje.

A audiência terminou com um breve depoimento do membro reformado da Força Pública Pedro Lobo, expulso da corporação em 1964, logo após o golpe. Ligado ao PCB, ele decidiu ingressar na luta armada, integrando a VPR. Preso em 1969, ele foi banido do país com outros presos políticos "trocados" pela liberdade de um embaixador sequestrado. No exílio, viveu na América Latina e no Leste Europeu, retornando ao Brasil em 1980, após a Anistia, mas ainda continuou monitorado pelo regime.

Comissão Nacional da Verdade
Assessoria de Comunicação

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