Quarta, 27 de Novembro de 2013 às 19:50

Comissões da Verdade pedem o tombamento da área em que funcionava o Doi-Codi, em SP

11 scavoneO Doi-Codi do 2º Exército em São Paulo foi o maior centro de tortura e morte da repressão no país, com pelo menos 5000 presos e mais de 50 vítimas fatais, muitas desaparecidas

A Comissão Nacional da Verdade e as comissões Estadual e Municipal da Verdade de São Paulo requereram hoje o tombamento do conjunto de edificações que abrigou o Doi-Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna) do II Exército, na rua Tutóia, no bairro do Paraíso, em São Paulo.

A diligência foi acompanhada pelos secretários da Segurança, Fernando Grella Vieira, e Cultura, Marcelo Araújo, e foi realizada por peritos da CNV, que ouviram o depoimento de oito ex-presos políticos que narraram os infernos vividos naqueles prédios, inclusive os de Adriano Diogo e Gilberto Natalini, presidentes, respectivamente, da Comissão Rubens Paiva (estadual) e Vladimir Herzog (municipal).

Veja aqui vídeo produzido pela CNV em que ex-presos narram os horrores do Doi-Codi.

Os equipamentos são usados hoje pela Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, que abriga no local a 36ª Delegacia de Polícia e dois depósitos, um do Decap (Departamento de Polícia Judiciária da Capital) e outro do DHPP (Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa). O processo de tombamento, solicitado pela sociedade civil, tramita no órgão de patrimônio histórico de São Paulo, o Condephaat. Os defensores do movimento defendem que o local seja preservado e recaracterizado e que ali funcione um memorial em homenagem às vítimas da repressão que ali tombaram.

A visita começou no pátio do Doi-Codi, onde as autoridades e as comissões se reuniram e conversaram com os ex-presos políticos antes de ingressar nos prédios onde houve tortura, prisões e morte. A ex-presa política Darci Myiaki conta ter memórias terríveis do pátio. "Muitos eram trazidos para cá e torturados e executados aqui mesmo. O Yuri não morreu em tiroteio, morreu aqui. A Ana Maria Nacinovic caiu morta aqui. O Luiz José da Cunha, o comandante Crioulo, foi torturado aqui enquanto estávamos na auditoria militar", afirmou.

Membro da CNV, José Carlos Dias afirmou aos secretários de Cultura e Segurança de São Paulo que o momento era representativo em virtude da presença dos secretários, para dizer pessoalmente a eles que a sede do antigo Doi-Codi, na avaliação da CNV, "deve se tornar um memorial em homenagem àqueles que padeceram aqui". Segundo Dias, os ex-presos presentes estavam ali para reconhecer o local formalmente como um local de tortura.

O secretário de Cultura Marcelo Araújo afirmou que o reconhecimento de locais de memória é muito caro ao governo de São Paulo, que foi o primeiro a preservar um local do tipo, com a criação do Memorial da Resistência, onde funcionou o Dops, no Centro de São Paulo. Ele afirmou que São Paulo também foi o primeiro estado a abrir seus arquivos da repressão, criando um acervo específico para isso no Arquivo do Estado.

Paulo Sérgio Pinheiro, membro da CNV, afirmou que é "inaceitável que, na democracia, que um centro de tortura com pelo menos 52 mortos, com 5000 pessoas tendo passado por aqui, presas, por 8, 9 meses, sendo torturadas, não tenha se convertido num local de memória. O tombamento é absolutamente necessário. Espero que os secretários aqui presentes levem ao governador nossa solicitação. Sem exagero, este foi o maior centro de tortura da ditadura militar no Brasil", disse.

PRESOS - "Isso aqui era um verdadeiro inferno, não só para nós, mas para toda a população. Os vizinhos ouviam, dia e noite os gritos das vítimas da tortura. Aqui era o reino do horror. Porque vocês acham que esse prédio aqui atrás está vazio, porque as pessoas que trabalham aqui ouvem gritos, vozes, veem fantasmas passando. Transformar este lugar num centro de memória é uma prova de rejeição, por parte de nossa sociedade democrática, republicana, de que não aceitamos tortura, golpe de Estado. Serve inclusive para exorcisar, mostrar que a polícia de hoje não é mais a de ontem. Tanto é que aqui policiais também foram mortos", afirmou o coordenador da Comissão da Verdade Rubens Paiva, Ivan Seixas, preso e torturado no Doi-Codi aos 16 anos de idade. Seu pai, Joaquim Seixas, foi torturado até a morte no Doi.

O ex-preso político Moacir Oliveira Filho, hoje assessor do Senado, apontou o local do prédio do 36º DP, hoje um depósito do Departamento de Polícia Judiciária da Capital, onde funcionava o xadrez (celas). Para ele, numa segunda etapa após o tombamento será necessário reconstituir o local.

Para Adriano Diogo, presidente da Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, "é inadmissível que, além de não-tombado, o prédio ainda abrigue uma delegacia de polícia". Em entrevista, ele conta que até hoje é um sofrimento visitar o local e que passou mal na noite que antecedeu a diligência.

"Nós saímos baleados, mas vivos. É importante dizer que muitos não perderam a vida em luta de rua, mas amarrado, sob tortura, dependurado, defenestrado (atirado pela janela), como vi nos dias em que estive aqui", afirmou o vereador Gilberto Natalini, presidente da Comissão da Verdade Vladimir Herzog (municipal), ex-preso político.

O ex-preso político Emílio Ulrich contou que, no pátio, na noite de 5 para 6 de dezembro a repressão fez grande uma festa no Doi-Codi, paga por empresários, para comemorar o assassinato do líder da VPR Yoshitane Fujimori. Amélia Teles contou que os policiais, nos raros períodos em que haviam poucos presos, recolhiam prostitutas nas ruas e com elas "se satisfaziam" no prédio público. "Depois, eles as colocavam na cela feminina e elas tentavam tirar informações das presas", contou.

Artur Scavone, também foi preso no Doi-Codi. Ele contou aos membros das comissões que a Justiça Militar sabia o que se passava no Doi. Numa ocasião, ele foi interrogado (sem tortura) diante de um juiz militar, na sede do Doi. Artur, conhecido na militância como Beto, ficou 9 meses preso ali. Meses antes, ele havia panfletado aos vizinhos da casa de horror o que acontecia lá dentro.

Comissão Nacional da Verdade
Assessoria de Comunicação

Mais informações à imprensa: Marcelo Oliveira
(61) 3313-7324 | O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

Acompanhe a CNV nas redes sociais:
www.facebook.com/comissaonacionaldaverdade
www.twitter.com/CNV_Brasil
www.youtube.com/comissaodaverdade