Quarta, 01 de Outubro de 2014 às 14:41

Quatro ex-presos políticos reconhecem duas áreas do antigo 12º RI como locais de prisão e tortura em BH

Editadas-15 12RI gilsereconheceQuatro ex-presos políticos reconheceram duas diferentes áreas do antigo 12º Regimento de Infantaria, em Belo Horizonte, como local de prisões e tortura durante a ditadura militar. O médico Carlos Antonio Melgaço Valadares e o analista de sistemas Gildásio Cosenza, ex-presos políticos, reconheceram um prédio e o pátio do atual setor de transportes do 12º Batalhão de Infantaria. Já a irmã de Gildásio, a assistente social Gilse Cosenza, também presa em 1969, e Emely Vieira Salazar, que é integrante da Comissão da Verdade de Minas Gerais, e esteve presa no local em 1970, reconheceram a área central do quartel como a área em que estiveram presas naquela unidade militar.

Gilse não foi torturada no 12º RI, mas lá ela foi ouvida por um oficial que lhe ofereceu a "chance" de entregar colegas e militantes da Ação Popular, organização em que militava, sem que fosse torturada, mas a ameaçou, dizendo que ela "sofreria muito" se não o fizesse, já que o interrogador a quem ele a entregaria seria "um sádico que se excitava com o sofrimento". Ela negou-se a dar o depoimento e foi entregue ao sargento Leo e mais dois militares, que a levaram para um posto policial na beira de uma estrada. Nesse local, Gilse foi torturada e violentada.

Valadares esteve preso no 12º RI por alguns dias, transferido do Colégio Militar de Belo Horizonte, outro local de torturas nos anos de 1969 e 1970 quando a repressão incidiu sobre a AP em Minas Gerais.

"Fui espancado numa sala e depois num pátio relativamente grande para onde fui levado de madrugada. Trouxeram a minha companheira, a Loreta, que estava presa no presídio feminino. Eles queriam que ela falasse, pois não sabiam nada e acreditavam que ela e outras presas pertenciam a uma organização apenas de mulheres. No pátio, fui espancado algemado e o tenente Pádua pulou em cima do meu peito. Lembro até hoje, ele usava uma botina preta com marrom. Ele me quebrou 4 costelas. Loreta, sentada numa cadeira, era obrigada a assistir o que acontecia e ela me identificou quando ligou o farol do jipe em cima de mim. Ela disse que era advogada. Responderam: 'estamos na ditadura, isso não tem valor nenhum´ ", contou o médico, que passou dois meses internado em um hospital para se recuperar das lesões, que quase o mataram.

Segundo a Comissão da Verdade de Minas Gerais, mais de 40 pessoas teriam sido torturadas no 12º RI, em Belo Horizonte, durante a ditadura. Segundo a CNV, 24 pessoas foram mortas ou desapareceram em Minas Gerais durante o período. Para o coordenador da CNV, Pedro Dallari, o trabalho de reconhecimento das unidades militares citadas em torturas, pelas próprias vítimas, ajuda a dar mais realismo ainda ao relatório da Comissão, que será entregue à sociedade em 10 de dezembro.

Valadares, ao sair do 12º RI, disse que a visita trouxe a tona toda a memória do período, mas também "a sensação de que o país está mudando".

Participaram da diligência da CNV os membros da Comissão Pedro Dallari (coordenador), José Carlos Dias, Maria Rita Kehl e Paulo Sérgio Pinheiro. Pela Comissão da Verdade de Minas Gerais participaram, além de Emely, a coordenador da Covemge, Maria Cecilia Pinto Albano, Alberto Carlos Dias Duarte, o Betinho, e Helena Maria Penna Amorim Pereira.

DEPOIMENTOS – Na tarde de ontem (30/09), a CNV e a CEV-MG colheram os depoimentos de cinco pessoas na sede da OAB de Minas Gerais. Os depoimentos foram conduzidos pelo coordenador da CNV, Pedro Dallari, e pelo membro da CNV, José Carlos Dias.

O coronel reformado Paulo Rubens Pereira Diniz, 81 anos, ex-engenheiro militar, deixou o Exército 26 anos depois de iniciar a carreira. Ele trabalhou na Guarda Presidencial entre 1961 e 1964 e não concordou com o Golpe Militar, nem com a tortura.

Ele afirma que, em novembro de 1964, quando era tenente, ele estava num grupo de militares que receberam ordem para atirar morteiros contra 10 mil pessoas que protestavam na Praça Cívica, em Goiânia, contra a deposição do governador Mauro Borges.

A ordem, afirma, foi suspensa 15 minutos antes em virtude da renúncia do governador. "Se o governador Mauro Borges não tivesse renunciado, eu teria cumprido a ordem. E a ordem era bombardear a praça", disse Diniz, que afirma ter a saúde abalada até hoje em virtude do episódio.

Em seguida, prestou depoimento o advogado Jacob Lopes de Castro Máximo, ex-presidente da Caixa dos Advogados de MG. Ele negou ser militante de organizações de extrema-direita, como o Comando de Caça aos Comunistas (CCC) na Ditadura. Ele é apontado como um dos autores do atentado no Show Medicina 65, no qual foi jogada uma ampola de ácido clorídrico na plateia que assistia o espetáculo.

Ele afirma ser udenista até hoje e a favor de uma nova intervenção militar, mas negou ter participado do atentado, que feriu gravemente no rosto Maria Terezinha Barros Vieira, sua conhecida. "Eu a conheci e socorri, por isso sou perseguido até hoje", afirmou.

Maria Terezinha Barros Vieira tinha 16 anos na ocasião do atentado e tem até hoje cuidados médicos delicados com as sequelas do ferimento. O irmão dela, César Vieira conta uma versão diferente da de Jacob. Estudante de medicina, ele foi um dos organizadores do show e viu Jacob com um grupo de estudantes de direita, o que lhe chamou a atenção. Após o incidente, César socorreu a irmã e os dois cruzaram com Jacob, que descia correndo as escadas do Instituto de Aplicação, local do espetáculo. "Ele desceu dizendo: 'foi em você que pegou, Therezinha?', como que manifestando surpresa por ela ter sido atingida". César contou que Jacob participou do socorro, mas que deixou o hospital logo depois.

ESCRIVÃO E LEGISTA – O tenente-coronel reformado do Exército, Jair Arvelos Rosa, negou ser torturador e diz que não entende o motivo de seu nome integrar a lista de torturadores do livro Brasil Nunca Mais. Apesar da negativa e de não reconhecer nomes de pessoas cujo depoimento colheu, como o de Clodesmith Riani, uma das vítimas presa e torturada no 12º RI, Rosa deu uma informação relevante: que alguns depoimentos eram trazidos pré-escritos por oficiais, datilografados ou anotados a mão. "E eu batia na máquina", revelou, afirmando que agia sob ordens do Capitão Portela e do Tenente Del Menezi.

Rosa disse ser "um burocrata, um exímio datilógrafo", mas quando questionado sobre o significado da sigla AP (Ação Popular), ele não apenas declinou o nome da organização, como citou outras que atuavam em Minas Gerais contra o regime militar.

O último depoente foi o médico legista aposentado João Bosco Nacif da Silva. Ele foi questionado sobre o laudo necroscópico de João Lucas Alves, cuja morte sob tortura já foi reconhecida pelo Estado brasileiro, mas o laudo afirma que ele morreu sob asfixia mecânica.

Nacif admitiu que o corpo tinha marcas de tortura, mas as marcas no pescoço não permitem, disse, afirmar que a causa da morte foi um estrangulamento ou um suicídio. Segundo o médico, ele não mudaria o laudo. Questionado pela assessoria da CNV se ele havia comunicado as autoridades da época sobre as marcas de tortura observadas, ele disse que não sabia que tinha esse dever.

O depoimento de Nacif foi tomado pelo ouvidor da CNV, Adilson Carvalho, pelos assessores Isabelle Chehab e Márcio Kameoka e pelo perito Saul de Castro Martins.

Comissão Nacional da Verdade
Assessoria de Comunicação

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