Dom Luiz Cappio espera os restos mortais de vítimas da Operação Pajussara - CNV - Comissão Nacional da Verdade
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Segunda, 22 de Setembro de 2014 às 16:24

Dom Luiz Cappio espera os restos mortais de vítimas da Operação Pajussara

foto memorialAo lado dos familiares e entidades que protegem os direitos humanos, o bispo abraçou a luta pela memória e conscientização nos municípios alvos das graves violações

Durante a 14ª Celebração dos Mártires realizada no povoado de Pintada, município de Ipupiara, na Bahia, o Bispo da Diocese da Barra, Dom Frei Luiz Flávio Cappio, reafirmou o desejo de sepultar os militantes assassinados por agentes da Ditadura no Memorial dos Mártires. O espaço foi construído no local onde foram assassinados o capitão do Exército Carlos Lamarca e o operário de origem camponesa José Campos Barreto (Zequinha). O evento foi acompanhado pela Comissão Nacional da Verdade e pela Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva", incumbidas de auxiliar na localização e translado e colher depoimentos de moradores da região que assistiram ou viveram cenas de brutalidade e violência.

No espaço inaugurado em setembro de 2013, já estão sepultados os mártires Manoel Dias, da cidade de Muquém do São Francisco e Josael de Lima (Jota) da cidade de Barra, assassinados por grileiros de terra. Os dois foram mortos fora do período da Ditadura, mas lutaram até os últimos dias pelo direito à terra e outras causas ainda não conquistadas mesmo na Democracia. A expectativa é que os restos mortais de Luiz Antônio Santa Bárbara, Otoniel Barreto, Zequinha e Lamarca sejam guardados no local.

Dom Luiz chegou na região em 1974 e resolveu apurar o que tinha acontecido. Ele ouviu longas confissões de José de Araújo Barreto, pai de Zequinha, que sofreu torturas durante vários dias, refém da Operação Pajussara, comandada pelo atual coronel Nilton Cerqueira, junto ao Esquadrão da Morte de São Paulo e demais agentes de Salvador do CODI/6. Foi daí que ele abraçou a causa de trazer a verdade e lutar contra o esquecimento. Com recursos próprios de um prêmio que ganhou, Dom Luiz iniciou a construção do memorial. Aos poucos as populações foram se juntando, foi crescendo o interesse e, semanalmente, centenas de pessoas de diversas escolas, universidades e demais grupos visitam o local. O bispo nomeou durante a 14ª celebração o monsenhor Bertolomeu Borges para ser o guardião do Memorial dos Mártires.

Com Dom Luiz, os familiares conseguiram amparo ao longo dos anos, até que nasceu a celebração na área adquirida por associados da Cooperativa Agro-Mineral Sem Fronteiras, que tem como principal responsável Olderico Campos Barreto, irmão de Zequinha. Também torturado e preso, Olderico prestou longo depoimento dentro da casa da sua família no povoado do Buriti Cristalino, município de Brotas de Macaúbas.

O deputado Adriano Diogo, presidente da Comissão "Rubens Paiva", abriu espaço para incluir no relatório o impacto do Esquadrão da Morte de São Paulo na Bahia, na operação que teve intensiva colaboração do torturador e assassino Sérgio Paranhos Fleury. Na porta da casa família Barreto, no Buriti, após tombarem Luiz Antônio Santa Bárbara e Otoniel Barreto, além de torturarem e fazerem reféns até as crianças da casa, a equipe grafou o símbolo do Esquadrão. Ainda existem as marcas de bala, o lugar deveria ser tombado e tornar-se um local de memória marcando a violência no campo.

As equipes foram embora na primeira campanha. Estava difícil achar Lamarca e Zequinha. Mas naquela terra seca e vítima do atraso do coronelismo, onde pessoas passavam e ainda passam fome, muito dinheiro foi oferecido por informações. Muitos negavam, com o medo implantado, até água e comida para os homens que se arriscaram até a morte lutando contra um regime inescrupuloso que impôs e alargou o atraso e a desigualdade no Brasil. Assim também há muitos moradores que nunca disseram que viram Zequinha e Lamarca e compreenderam a causa mesmo com toda a violência e a propaganda do medo.

MEDO - Quarenta e três anos depois, a equipe de trabalho das Comissões notou que ainda é muito difícil conversar sobre o assunto em Brotas de Macaúbas. Muitos até aceitaram um diálogo, mas pediram que não fosse gravado. Emocionados, contaram sobre a barbárie cujo ápice fora atingido no dia 17 de setembro de 1971, quando assassinaram Zequinha e Lamarca. Houve festa em Brotas de Macaúbas. Há registros das pessoas comemorando e sorrindo, o que indignou cada um dos depoentes que testemunharam o estado dos corpos atirados no chão, como troféu dos assassinos que os utilizaram de forma simbólica para impor medo. Era proibido chorar, sob o risco de retaliações.

Edelzita Pachêco (Dona Ita) e Crisanto Pachêco (que tinha na época apenas 9 anos) eram vizinhos da família Barreto no Buriti, com forte laço de amizade. Dona Ita contou como protegeu os filhos enquanto seu marido, Abel Pachêco, apanhava dos policiais que queriam informações do paradeiro de Lamarca e Zequinha. Abel não sabia de nada, apanhou mais por saberem que ele era amigo de Zequinha. A violência registrada inspirou indignação e revolta. O morador Adailton Ferro contou sobre as iniciativas para que a violência sofrida pela população não seja esquecida. Mais distante, um morador do município de Cotegipe, Anderson Guerreiro, construiu na sua cidade o Espaço Cultural José Campos Barreto e agora se tornou parceiro na Celebração dos Mártires.

Muitas testemunhas, do povoado de Pintada, viram os corpos serem arrastados e Zequinha ainda agonizando. Não se sabe quanto tempo ele levou para morrer e encerrar sua dor. Lamarca estava mais doente e deitado embaixo de uma árvore chamada Baraúna, com a cabeça encostada em uma pedra, levou tiros a queima roupa, sem expressar qualquer reação. A pedra foi recuperada por moradores, mas a árvore foi cortada. Os moradores demarcaram o local e hoje há uma cruz que simboliza o martírio das vítimas da Operação Pajussara.

O casal Maria Rosa Rodrigues e Pedro Barbosa Rodrigues abriu as portas da casa que vivem, rememorando em suas mentes os dias terríveis. Pedro trabalhava como carpinteiro e recebeu a tarefa de fazer dois caixões para levar os jovens assassinados. Contou que Zequinha era mais alto e que pisavam na sua cabeça para poder caber no caixão junto com Lamarca. No outro caixão, colocaram os corpos de Otoniel Barreto e Luiz Antônio Santa Bárbara, que haviam sido mortos dia 28 de agosto e foram desenterrados. Os assassinos, a partir daí, deram início a mais outro crime.

O sepultamento dos cadáveres no cemitério do Campo Santo, em Salvador, feriu mais uma vez as famílias, com a intenção de impor o desaparecimento dos corpos. Somente os restos mortais de Lamarca e Santa Bárbara foram recuperados, enquanto os de Zequinha e Otoniel ainda não foram localizados.

 

Por Thaís Barreto, da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva"
Assessoria de Comunicação

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