Depoimentos emocionam público jovem na primeira audiência pública temática da Comissão Nacional da Verdade - CNV - Comissão Nacional da Verdade
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A Comissão Nacional da Verdade (CNV), órgão temporário criado pela Lei 12.528, de 18 de novembro de 2011, encerrou suas atividades em 10 de dezembro de 2014, com a entrega de seu Relatório Final. Esta cópia do portal da CNV é mantida pelo Centro de Referência Memórias Reveladas, do Arquivo Nacional.

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Terça, 23 de Outubro de 2012 às 16:00

Depoimentos emocionam público jovem na primeira audiência pública temática da Comissão Nacional da Verdade

Universidade, Estudantes e Ditadura foi o tema da 6ª Audiência Pública da CNV, que lotou o auditório da reitoria da UFMG

Depoimentos de ex-presos políticos e de familiares de mortos e desaparecidos emocionaram o público jovem que compareceu ontem à tarde à quinta audiência pública da Comissão Nacional da Verdade pelo país e a primeira focada em um tema específico, no caso, o da repressão ao movimento estudantil, realizada no auditório da reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais.

A grande maioria do público era formada por estudantes secundaristas do colégio Santo Antônio, que compareceram em peso ao evento, e alunos da UFMG. Todos se emocionaram com a homenagem aos 11 alunos da universidade mortos ou desaparecidos durante a repressão. Durante a leitura dos nomes das vítimas, eram exibidas suas imagens e o público seguiu a tradição de eventos de familiares de mortos e desaparecidos e gritavam "presente".

Dois depoimentos foram longamente aplaudidos pelos presentes: o da jornalista Mariluce Moura, viúva de Gildo Macedo Lacerda, que exibiu trechos do filme Anistia, produzido em 1978 por ex-presos políticos e familiares de desaparecidos que reivindicavam o retorno dos exilados e informações sobre o paradeiro dos restos mortais de vítimas como Lacerda, cujo corpo nunca foi entregue pela repressão aos familiares. "Nunca paramos de batalhar por explicações", afirmou.

Ontem completou 39 anos da prisão de Lacerda em Salvador. Ele foi morto, provavelmente, seis dias depois, em 28 de outubro de 1973, sob tortura, em Recife, mesma cidade onde teria sido assassinado outro ex-aluno da UFMG, João Carlos Novaes da Mata Machado, preso em São Paulo.

Mariluce estava grávida da única filha que teve com Gildo quando foi presa no mesmo dia que o companheiro. Ambos foram torturados. Ela relatou também a dificuldade que teve em obter direitos da vida civil. Sua filha, por exemplo, só foi registrada em 1988, aos 15 anos.  Ela contou também que, em 1978, durante a luta pela Anistia, o clima de medo era muito grande.

O outro depoimento longamente aplaudido foi o de Ângela Maria Pezzuti, tia de Ângelo Pezzuti, preso político que morreu no exílio em 1975 e que foi barbaramente torturado quando esteve preso no Rio de Janeiro, junto com o irmão, Murilo. Além dos dois irmãos também foi presa a mãe deles, Carmela.

Segundo Ângela, seus sobrinhos foram vítimas do início da prática institucionalizada de tortura pelo regime militar. Segundo ela, métodos novos de tortura foram testados nos presos mineiros levados à Vila Militar, no Rio de Janeiro. Ela contou também das dificuldades que teve para visitar os sobrinhos e a irmã presa e que, numa oportunidade a visita foi negada pois Ângelo estaria muito machucado. "Quando finalmente os vi, parecia uma imagem de campo de concentração. Eles estavam muito magros, apenas com o rosto e as mãos limpas, mas suas unhas estavam imundas. Ofereci uma maçã a eles, Murilo comeu tão rápido que passou mal", afirmou.

"Por mais dura que seja a realidade, por mais dura que seja, vale a pena lutar contra essa realidade. E, apesar do sofrimento, valeu a pena. Eu faria tudo de novo", contou.

Além de Ângela e Mariluce, prestaram seus relatos os professores Apolo Heringer Lisboa, preso, torturado e exilado; Mauro Mendes Braga, preso em três ocasiões por participar de manifestações de estudantes, e Magda Neves, que foi presa e expulsa do mestrado que cursava por conta do decreto 477/69.

OAB E PROPOSTAS – Após os relatos, a Comissão Nacional da Verdade assinou um termo de cooperação com a Comissão da Verdade e do Memorial da Anistia, da OAB-MG, representada pelo presidente da comissão, Márcio Augusto Santiago. Em seguida, o advogado Carlos Augusto Cateb abriu a palavra aberta ao público, relatando as dificuldades que os advogados de presos políticos tinham para defender seus clientes no período.

Depois, várias pessoas se manifestaram, tais como o professor cassado João Mares Guia, a Procuradora Regional dos Direitos do Cidadão, Silmara Goulart, do Ministério Público Federal de Minas Gerais, e o ex-deputado federal Nilmário Miranda.

Miranda defendeu o tombamento dos prédios do Dops e da Delegacia de Roubos e Furtos, onde ainda funcionam delegacias da Polícia Civil de Minas. Para ele, os locais devem ter, no mínimo, placas demonstrando que ali foram locais de tortura e morte. Silmara lembrou ainda que a Delegacia de Roubos e Furtos foi também um reduto de policiais ligados à Scuderie Le Coq, um dos primeiros esquadrões da morte. Silmara expediu ontem recomendação ao governo do Estado para que seja facilitado o acesso da população aos documentos do Dops. Segundo ela, nem todos os documentos estão públicos.

O membro da Comissão Nacional da Verdade José Carlos Dias informou a ambos que incluiria os dois temas na pauta do almoço que a CNV terá hoje com o governador Antônio Anastasia. Pela manhã, antes do encontro, a CNV se reunirá na sede da OAB-MG com a Comissão da Verdade da OAB-MG, a Associação Amigos do Memorial da Anistia e a Associação dos Trabalhadores de Ipatinga.

Outra pessoa que pediu a palavra e longamente aplaudida foi a estudante Clara, de 12 anos. Aluna do 7º ano, ela escolheu pesquisar a tortura na repressão, pois estuda sobre a ditadura para saber o que aconteceu no passado do país, "para evitar que esses fatos voltem a acontecer". Ela fotografou e fez anotações durante a audiência e quis saber quantos estudantes foram vítimas da repressão no país e quantos em Minas Gerais. Segundo levantamentos iniciais da CNV, teriam sido 300 as vítimas oriundas do movimento estudantil, sendo em torno de 50 casos em Minas Gerais.

A audiência pública em MG foi a quinta realizada pela Comissão. Antes, a CNV esteve em Goiás, Rio de Janeiro, Pará e Pernambuco e recebeu os comitês da sociedade civil em Brasília. Esta foi a primeira audiência temática. Uma audiência com mulheres vítimas de repressão e outra com sindicalistas devem ser realizada no final de novembro e começo de dezembro, respectivamente, segundo a advogada Rosa Cardoso, membro da Comissão. A próxima audiência pública será no Paraná, em 12 de novembro. Além disso, a Comissão da Verdade já esteve em eventos no MPF, Sindicatos, se reuniu com familiares de mortos e desaparecidos no RS, RJ, SP, PA e PE e visitou a região do Araguaia.

Maria Rita Kehl foi incumbida de dizer as palavras finais da Comissão. Ela saudou a presença do movimento estudantil e que a CNV sempre apoiará a plena liberdade dos movimentos estudantis e todos os movimentos de luta pela igualdade de direitos.  Maria Rita lembrou a presença de militantes do movimento camponês, que lembraram que as mortes no campo continuam.

"Essas populações estão mais isoladas e extremamente vulneráveis e ainda são vítimas de agentes públicos em pleno Estado democrático. A Comissão deverá publicar, junto com o relatório, recomendações enfáticas sobre as mortes no campo", afirmou.

Anfitrião do evento, o reitor da UFMG, Clélio Campolina Diniz, disse que a presença dos jovens na audiência é fundamentalmente importante para a preservação da memória e a verdade. Ele destacou os trabalhos do Projeto República pela preservação da Memória Histórica, como a entrega dos documentos do AESI (Assessoria Especial de Segurança e Informações), braço do SNI nas universidades, ao projeto Memórias Reveladas.

 

Comissão Nacional da Verdade
Assessoria de Comunicação
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