Campos de concentração, tortura, mutilação e solidariedade nos depoimentos de advogados à Comissão da Verdade - CNV - Comissão Nacional da Verdade
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A Comissão Nacional da Verdade (CNV), órgão temporário criado pela Lei 12.528, de 18 de novembro de 2011, encerrou suas atividades em 10 de dezembro de 2014, com a entrega de seu Relatório Final. Esta cópia do portal da CNV é mantida pelo Centro de Referência Memórias Reveladas, do Arquivo Nacional.

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Quarta, 12 de Dezembro de 2012 às 11:44

Campos de concentração, tortura, mutilação e solidariedade nos depoimentos de advogados à Comissão da Verdade

cnv 121212Onze advogados contaram sobre as dificuldades para atuar em defesa de presos políticos durante o regime militar

Onze advogados que militaram na defesa de presos políticos prestaram depoimento ontem à tarde à Comissão Nacional da Verdade em sessão solene conjunta entre a CNV e a OAB-RJ, que sediou o evento ontem (11/12). Através dos relatos a CNV recebeu dados chocantes sobre um campo de concentração montado pela ditadura no estádio Caio Martins, em Niterói, um relato emocionado sobre a tortura e mutilação sofrida por uma cliente e testemunhos da solidariedade e companheirismo entre os defensores de oposicionistas.

O advogado Alcione Barreto foi o primeiro a depor. Ele contou a dificuldade para obter exame de corpo de delito para um preso torturado. "Os advogados pareciam pingos d'água, que de tanto bater na pedra a furaram. A pedra era a ditadura", afirmou.

Dirce Drach contou que os torturadores não tinham vergonha de disfarçar mortes e violências. Ao perguntar sobre o paradeiro de uma cliente no DOPS-SP, um policial respondeu: "Pode ficar tranquila. Essa se a gente pegar, a gente mata".

José Carlos Tórtima, que foi preso pela ditadura quando era estudante de direito, contou sobre a revogação de sua absolvição por conta de decisão monocrática de um auditor militar. A medida impediu que ele visse o pai, doente terminal de câncer, pela última vez.

Eny Moreira, advogada que atuou no escritório de Sobral Pinto, se emocionou e emocionou ao público ao contar que foi a primeira pessoa a ver o corpo de Aurora Maria Nascimento Furtado que se encontrava mutilado e deformado pelas torturas sofridas pela militante, morta logo após ser presa, em novembro de 1972.

CAMPO DE CONCENTRAÇÃO - Manoel Martins, 88 anos, contou que Niterói foi invadida pelo terror em abril de 1964. Defensores das reformas de base implementadas por João Goulart foram presos. O advogado foi um dos presos no campo de concentração montado no estádio Caio Martins, em Niterói, o primeiro do gênero na América Latina (a experiência foi repetida, depois, por outras ditaduras do cone sul). "Não vim contar meu sofrimento, mas a história de uma cidade que foi avassalada pelo terror de 64. Minha querida Niterói", disse.

Segundo o advogado, cerca de 1800 cidadãos niteroienses foram presos no estádio. "Durante 18 dias, o Caio Martins foi o terror implantado. Para ir ao banheiro, íamos acompanhados por um soldado com metralhadora", contou. "Éramos professores, operários e camponeses, muitos evangélicos das Testemunhas de Jeová. As pessoas chegavam em caminhões", relembra. "Eu vi tanta coisa e continuei vendo e precisava registrar isso. O que aconteceu com essa cidade, com Niterói, esse foco de resistência", disse o depoente, que tem 88 anos.

ESTRATÉGIAS E SOLIDARIEDADE - Terezina Gentile foi a oitava a depor. No escritório de advocacia em que trabalhava ela era a responsável por percorrer os quartéis a procura de presos políticos detidos sem mandado judicial. Dessa forma, ela localizou vários presos que estavam incomunicáveis.

Rosa Cardoso, integrante da Comissão Nacional da Verdade foi a nona a depor. Durante muitos anos ela advogou para presos políticos. "Por muitos anos me recusei a refletir o que vivi. Depois reconheci a memória como forma de recuperação de trajetórias", afirmou. Ela lembra que passou a refletir sobre o período após ser entrevistada pela pesquisadora Janaína Telles, pouco antes de ser convidada para a Comissão da Verdade.

"Ao ser entrevistada sobre minha trajetória, vi que já vivi o melhor da minha vida ao ver que coloquei muitos dos meus clientes em segurança". Rosa terminou sua fala (leia a íntegra) com uma saudação aos colegas, os quais lembrou que eram muito unidos na defesa dos presos políticos: "Viva nosso passado, nosso companheirismo, nossa eterna solidariedade, nossa eterna amizade".

Técio Lins e Silva também focou nas estratégias de defesa e no companheirismo entre os advogados. "Éramos um grupo pequeno, mas muito solidário e nos dividíamos na hora de falar nos processos", disse. "Éramos uma verdadeira mafiazinha do bem", contou Modesto da Silveira, ao citar a atuação concatenada de advogados na defesa de presos políticos.

Modesto acrescentou que, além do estádio Caio Martins, quatro navios e todas as cadeias estavam cheias de presos políticos logo após o golpe, em 64. "O Rio de Janeiro tinha sete auditorias militares devido ao grande desdobramento de prisões no Estado, que teve o maior número de presos do país", afirmou.

Ele lembrou também dos constrangimentos pelos quais passavam os advogados de presos políticos, que muitas vezes eram detidos ilegalmente como forma de intimidação. "Os advogados fomos todos sequestrados políticos, não fomos presos, pois prisão tem forma".

"Os advogados ouvidos hoje mostraram fidelidade a seus princípios. Não se recolheram, não se acovardaram", afirmou o coordenador da CNV, Claudio Fonteles, ao encerrar o evento. Os depoimentos serão aproveitados pelo grupo de trabalho Ditadura e Sistema de Justiça, da Comissão da Verdade e novas oitivas devem ser agendadas. Ao final de cada depoimento, os advogados receberam um diploma da OAB-RJ e da CNV em homenagem por sua atuação na defesa de presos e desaparecidos políticos.

Além dos advogados mencionados, também prestaram depoimento George Tavares, que além de ter advogado para presos políticos nos anos 60 e 70, foi procurador de Justiça Militar no STM, e Humberto Jansen. Pela sociedade civil, Vitória Grabois, do Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, e pela Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, Margarida Pressburger, compuseram a mesa diretora do evento.

Logo após a sessão, às 19h, o prédio onde funciona a OAB-RJ, no centro do Rio de Janeiro, recebeu o nome de Sobral Pinto, que também se notabilizou por defender presos políticos no regime ditatorial. Na calçada da OAB, na avenida Marechal Câmara, 150, foi exibido em um telão o documentário "Sobral, o homem que não tinha preço".

 

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