CNV ouve familiares de Zé da Marcelina, preso com Epaminondas Oliveira - CNV - Comissão Nacional da Verdade
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A Comissão Nacional da Verdade (CNV), órgão temporário criado pela Lei 12.528, de 18 de novembro de 2011, encerrou suas atividades em 10 de dezembro de 2014, com a entrega de seu Relatório Final. Esta cópia do portal da CNV é mantida pelo Centro de Referência Memórias Reveladas, do Arquivo Nacional.

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Quinta, 26 de Setembro de 2013 às 15:17

CNV ouve familiares de Zé da Marcelina, preso com Epaminondas Oliveira

01 ze marcelina familiaFamiliares afirmam que o militante, preso também na Operação Mesopotâmia, foi torturado

A Comissão Nacional da Verdade ouviu ontem em Brasília a viúva e quatro filhos de José Pereira da Silva, o Zé da Marcelina. Líder camponês de Porto Franco (MA) e militante comunista, ele foi preso na mesma Operação Mesopotâmia, na qual militares também prenderam seu amigo Epaminondas Gomes de Oliveira, morto sob custódia do Exército em 21 de agosto de 1971. Restos mortais que podem ser de Epaminondas foram exumados anteontem (24/09), em Brasília.

Assim como Epaminondas, Zé da Marcelina também foi torturado nos cerca de três meses em que ficou preso em decorrência da operação militar realizada na região do Bico do Papagaio (divisa tríplice dos Estados de Maranhão, Tocantins e Pará) na qual foram presas lideranças rurais. Recebeu choques, espancamentos e tapas no rosto, que o marcaram profundamente. A família lembra que ele nunca se recuperou completamente da humilhação.

"Ele passou muito tempo traumatizado", conta o filho Agostinho Jardim da Silva. "Ele ficou muito deprimido. Um cidadão de bem como ele ser humilhado daquela forma", lembra a viúva Delzi Jardim da Silva. Zé da Marcelina morreu de causas naturais aos 80 anos, em 1981.

Agostinho conheceu o pai e Epaminondas. Desde quando ele tinha 7 ou 8 anos sabia das atividades políticas do pai, que recebia Epaminondas e outros líderes comunitários da região na casa de farinha de sua propriedade. "Sabia que ambos eram do Partido Comunista e contrários ao regime, mas éramos crianças e adolescentes e não nos sentíamos à vontade para tentar saber o que acontecia", contou.

Além de Epaminondas também frequentavam as reuniões Inácio Pescador, de Tocantinópolis, e Pedro Moraes, ambos presos na Operação Mesopotâmia (terra entre rios no idioma assírio), uma alusão aos rios Araguaia e Tocantins, que banham a região.

Nas reuniões os líderes comunitários discutiam educação, reivindicações para as comunidades ribeirinhas e de agricultores. "Basicamente o que eles queriam era igualdade para todos", afirmou Joana da Silva Santos, outra filha de Zé da Marcelina.

Quando o pai e Epaminondas foram presos, em 1971, Agostinho estava iniciando uma nova vida em Brasília, como mecânico. Em 1968 ele vivia num apartamento na Asa Norte em que moravam professores da UnB. Foi Epaminondas que indicou o rapaz, então com 20 anos, para o serviço por meio de um colega comunista que o filho de Zé da Marcelina conhecia como Batista.

Em 1971, sem saber dos fatos que ocorriam no Maranhão, chegou uma viatura do Exército no lugar em que Agostinho morava. Ele foi levado ao PIC, em Brasília e interrogado duramente, mas sem tortura. Lá ele encontrou o amigo Batista que havia conhecido em 1968, com quem veio do Maranhão para Brasília. "Ele estava preso e disse: 'soltem o rapaz. Ele não veio para Brasília atrás de reunião. Veio atrás de emprego'.", contou. Agostinho ficou preso três dias.

Batista ainda teve tempo de dizer ao jovem que seu pai e Epaminondas estavam presos, mas Agostinho não foi levado a nenhum deles nos três dias em que ficou preso no PIC. Assim que saiu da cadeia escreveu uma carta para a mãe, informando que o pai estava preso em Brasília e que tinha notícias que Epaminondas estava morto.

Sobre a prisão do marido, Delzi lembra que ocorreu no começo de agosto. "Os homens que o prenderam chegaram de barco, nenhum deles usava uniforme. Tínhamos acabado de almoçar e o Zé estava descansando", contou a viúva. "Antes da prisão, o Zé era conversador e, depois tornou-se calado", disse. "Ele não conversava muito não", lembra Zulmira Pereira da Silva, outra filha de Zé da Marcelina que vive em Brasília.

Perguntado se os comunistas que se encontravam na casa de seu pai portavam armas, Agostinho é taxativo: "Não, nada. Eram apenas livros", contou. Zulmira conclui e conta que uma vez recebeu ordens para esconder livros atrás de umas bananeiras da propriedade. Delzi conta que não participava das reuniões, pois não apreciava política e o caráter sigiloso das reuniões (o Partido Comunista foi proibido no Brasil em 1948 e assim permaneceu até a redemocratização).

PADRE ALÍPIO - Sobre Batista, somente anos depois Agostinho descobriu quem ele era. Um dos mais assíduos nas reuniões, Batista era um dos codinomes de Padre Alípio, padre expulso da Igreja em 1962, que militou e organizou várias ligas camponesas. Na clandestinidade desde o golpe, ele era o elo de ligação de Epaminondas e de Zé da Marcelina, no sul do Maranhão, com militantes do Planalto Central em cujo apartamento Agostinho morou um tempo sem conhecer totalmente suas atividades.

"Esse pessoal: Epaminondas e meu pai são os verdadeiros heróis da época. Desde os anos 40, eles se preocupavam com educação de adultos, por exemplo, um tema que até hoje é importante", afirmou o advogado José Pereira, filho de Zé da Marcelina. "Foi através de Batista e Epaminondas que estamos em Brasília", afirmou.

Epaminondas de Oliveira Neto, neto de Epaminondas Gomes de Oliveira, foi quem apresentou a família de Zé da Marcelina à CNV. "Noto uma grande preocupação dos dois em preservar os filhos e suas mulheres da atividade política que desenvolviam, por isso estamos aqui reunidos", afirmou.

"Que venha a paz depois do trabalho da Comissão da Verdade. Esperamos que as crianças não corram mais risco de ter seus pais presos em virtude de seus ideais, de passar pelo que passamos", afirmou Zulmira ao final do depoimento, concedido aos pesquisadores do GT Mortos e Desaparecidos, André Vilaron e Daniel Lerner.

A CNV deve ir em outubro ao Maranhão para colher depoimentos de outros familiares de Epaminondas, Zé da Marcelina e outros líderes rurais da época. Na oportunidade também serão colhidos documentos e amostras para exame de DNA dos filhos de Epaminondas para checar se os restos mortais exumados nesta terça são realmente do líder camponês.

Comissão Nacional da Verdade
Assessoria de Comunicação

Mais informações à imprensa: Marcelo Oliveira
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